quarta-feira, 2 de março de 2011

A menina e a chuva


Quando era só uma criança, um belo sonho da menina era escapar dos cuidados da mãe, em um dia de chuva, e fazer um quase ballet na enxurrada. Mas o máximo que dava era pra ver a água caindo enquanto estava muito bem protegida por galochas vermelhas, capa de plástico com desenhos da Moranguinho e guarda-chuva cor de rosa. (Vamos dar um desconto que só depois da adolescência a gente aprende a combinar roupas e acessórios. Outro desconto ainda porque naquela fase da vida, mães não davam às filhas liberdade na escolha do vestuário) Se a vontade de brincar na água suja e corrente era forte demais, os argumentos adultos para impedir também eram. Uma mocinha não poderia desfrutar da alegria destinada apenas aos moleques de rua. Bichinhos microscópicos que estavam no chão se aproveitariam da água para penetrar nos pés desatentos e em seguida buscariam rapidamente a barriga. Lá no intestino, os micróbios fariam uma festa danada até se tornarem lombrigas gigantescas. Para não correr o risco, melhor deixar quieto.

Com o tempo a chuva foi ganhando outros significados para aquela menina. Deixou de ser a tentação dos tempos de infância para virar a maquiagem que dá um brilho especial ao asfalto, o ativador que garante à terra um cheirinho molhado melhor que o de muito perfume caro. A água que escapa do céu, às vezes discreta durante a madrugada, surge enquanto todo mundo dorme só para refrescar o ambiente quente no verão. No inverno, a chuva produz a melodia para embalar o sono da menina que desperta rapidamente só para perceber que está chovendo, apreciar o macio edredon e voltar ao sonho. Mas se é durante o dia, aquela água toda não passa despercebida. É a desculpa para o transito que sempre foi ruim mesmo, a que faz questão de atrapalhar o cabelo e ensopar a roupa. E a menina já nem liga pra isso mais. Basta chegar em casa, tomar um banho quente, pegar um livro e deitar no sofá de frente pra janela. 

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