domingo, 22 de abril de 2012

A unha quebrou



Ela caiu da escada. Não foi nenhum daqueles tombos que viraram moda nas novelas em que a mocinha vai elegantemente rolando até descer por completo. Mesmo porque a garota caiu apenas do quinto degrau e estava subindo. Nos poucos segundos em que tentou se machucar o mínimo possível, foi ralando o cotovelo, batendo o joelho e cortando a parte de baixo do dedão direito. A unha do pé esquerdo que já estava parcialmente trincada, fruto de um chute acidental no canto do sofá, se partiu de vez. A menina estava protegendo aquela unha com um band-aid há dias, mesmo sabendo que uma hora ela iria se soltar e que isso seria necessário. Provavelmente tudo por medo de como seria ficar sem ela de uma vez e aguentar as consequências de deixar aquele pedacinho da pele desprotegida. Sem poder fazer nada, tratou logo de levantar do chão e perceber que a roupa não era mais branca, e sim marrom com tonalidades de vermelho. 

Ficou aliviada porque ninguém viu o que aconteceu, apenas escutaram o grito e quando as pessoas de casa foram olhar a menina já estava de pé. Pena que deixar algo escondido não faz com que não tenha acontecido. Se levantar imediatamente para escapar da vergonha não impede as cicatrizes nem deixa a roupa menos suja. A unha se soltou sem a menor possibilidade de retornar ao que era, fazendo do tombo na escada o complemento de uma pancada anterior. E já que tudo é uma sequencia, agora vem o momento da espera, a unha cresce, o sangue coagula e a roupa, só jogar na máquina que ela resolve. E como seria elegante se todas as coisas se comportassem como as camisas, calças e vestidos. Era só a lavadora se encarregar de tudo.   

domingo, 15 de abril de 2012

Alegria dos outros



Ela sentou no ônibus e inevitavelmente se aproveitou para ler as notícias do jornal do senhor que estava ao lado. Ele virou a página, começou a ler algumas piadas sobre sogras, portugueses e nordestinos e não parou de gargalhar. Ria com a naturalidade de quem acha algo realmente engraçado e seguiu dessa maneira até o momento de descer. Já a garota estava triste e não teve como não sentir inveja daquela alegria momentânea e tão pura. Ela até se permitiu exibir suas tristezas em forma de lágrimas que logo se encarregaram de ficar escuras. Culpa de quem acha que comprar lápis de olho a prova d’água é bobagem. E quando lembrou que havia se maquiado foi logo secar as lágrimas, mas a magoa de dentro tratou de enfeiar a beleza produzida do lado de fora.

Estava mal pelo cansaço de noites mal dormidas, muito trabalho, textos para ler e pelas más notícias que sempre veem embaladas como se fossem bons presentes. Pensou em como as coisas boas se tornam ruins e o contrário também. (No segundo caso, muito de vez em quando, mas fazer o que?) Mas o gosto salgado das lágrimas ajudaram a lembrar o mar e as últimas férias. Tentou pensar em coisas boas para ver se passava, mas não foi muito eficiente. Resolveu escutar música para ignorar o engarrafamento e afastar a melancolia. Às vezes isso funciona. Não deu certo, mas valeu a tentativa. O dia seria assim mesmo, mas com o tempo tudo resolve. Naquela hora, surgiu um problema mais urgente. Se deu conta da maquiagem borrada. Como se livrar da cara de urso panda no meio da rua? 

domingo, 1 de abril de 2012

Recheio de surpresa



Ela saiu de casa para comprar chocolate e voltou com uma sacola com dois pares de sapato. Há uma semana da páscoa, a menina estava determinada a preparar algo de especial para si mesma. Não dependeria de nenhuma outra pessoa para ganhar presentes naquela data. Escolheria o ovo que quisesse independente do tamanho e do preço. E se surgisse alguma dúvida, mesmo que pequena, entre um recheado com morangos e outro com surpresinha dentro, (Sim, ela cresceu, mas continua achando o máximo essas coisas de criança.) acabaria levando os dois. O salário chegou e a garota também conseguiu tempo para as compras, mas o entusiasmo foi se dissipando já no caminho para o shopping. Não entendia onde estava aquela euforia dos tempos de infância que faz a semana que antecede o domingo tão esperado durar como se fosse um mês. Entrou em duas lojas e percebeu que o desejo pelos doces não era maior que uma pequena trufa.

Passeou pelos corredores, resolveu almoçar e depois ver o que tinha de bom no cinema. Se deu conta de que o filme mais legal das últimas semanas já não estava em cartaz. Coisas que acontecem quando a gente arruma tempo para trabalhar, estudar, dormir, mas se esquece de pequenas vontades como ver uma peça de teatro ou dar uma volta no parque. Voltando à história dos ovos, foi se distraindo com outras coisas e acabou batendo uma preguiça, vontade de deixar para depois. E o assunto caiu no esquecimento quando viu dois sapatos numa vitrine. Gostou tanto que comprou sem pensar demais, coisa não muito comum para essa menina. Depois, seguiu para casa feliz, pensando em passar o dia deitada lendo um livro, acompanhada de uma música. Antes, visitou uma padaria e levou apenas um bombom. Foi sentindo como as coisas mudam, as vontades passam e outras vão crescendo. Meio sem planejamento, envolvidas pelo acaso, com cobertura de surpresa e recheio de novidade.