sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Baratas no ônibus



Já faz mais de uma hora que ela está sentada no ônibus, parada. Ele também faz o mesmo. Fica ali quietinho com o motor desligado e portas abertas para entrar um ventinho que resolve não aparecer. Há um tempo atrás, ele andou uns 10 metros, mas foi só. Transito bem parado. Disseram pra menina que é por causa de um acidente, mas ela nem deu tanta atenção. Só pediu a Deus pra que as vitimas da batida estivessem bem. As pessoas dentro do ônibus vão todas perdendo a paciência e descendo para seguir o resto do caminho a pé. Um trajeto tão longo que a garota nem ousou arriscar. Uma senhora resolveu trocar o salto alto por um chinelo que trazia na bolsa. Assim seria menos dura a caminhada. A menina preferiu ficar dentro do coletivo escutando música, escrevendo e fazendo, ao mesmo tempo, a coisa que mais detesta na vida: esperar. As coisas iam se resolver mesmo... O caderninho ajudava a manter a ansiedade longe. E como era bom estar naquela situação sem se sentir em pânico. Será que a vida estava voltando ao normal? 

Lá fora, aquele bando de gente andando na mesma direção lembrava o dia do fim do mundo que ainda não aconteceu. Dentro do veículo, ela escuta um burburinho, mas não consegue descobrir de imediato do que se trata. De repente, ela entende porque algumas mulheres estavam discretamente tirando os pés do chão e fazendo cara de nojo. A menina se vê rodeada por pequenas baratas. Algumas ela até consegue matar, mas aos poucos outras vão surgindo. Falando em nojo, no ônibus ao lado, um homem fica olhando insistentemente para a menina enquanto beija uma mulher. Parece ser a namorada. O tempo passa e, como o veículo não consegue andar nem mais um metro, o cobrador sugere aos poucos que não decidiram seguir a pé que saíssem para entrar em um veículo da mesma linha que espertamente foi parar na pista de carros. A menina vai o restante da viagem em um coletivo cheio. Está em pé e só consegue colocar rabiscos no bloquinho que segura desajeitadamente. Mas pelo menos o ônibus anda um pouco. Agora ela está feliz. E nem é só porque vai chegar finalmente em casa. Ela acaba de se dar conta de que conseguiu algo mais importante do que isso.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Quando é possível deletar



Ela escreveu. Olhou para os lados, parou, pensou e deletou. Letra por letra foi sendo jogada fora. Nem mesmo as vírgulas, exclamações e, principalmente, tantas interrogações foram poupadas. Pensou mais um pouco e, dessa vez, tentou libertar os dedos de certos radicalismos e voltou a digitar as frases, agora em versão melhorada. Novamente faltou coragem para pegar o mouse e levar a setinha até a opção “publicar”. O que poderia haver de errado com aquelas frases? Gramaticalmente estavam impecáveis. Ainda mais depois de serem construídas e reconstruídas com o olhar cada vez mais atento. A menina entendeu que o problema era o que ela pensava, queria e precisava dizer. Ela que sempre se preocupou em construir aquela imagem de garota tranqüila, quietinha e bem comportada acabou virando vitima de um trabalho de anos, juntando tijolo por tijolo. 

Lá estava ela em frente ao computador, com o perfil do Facebook aberto. E tudo pra que? Algo estava dentro da cabeça dela dançando macarena, pulando corda, fazendo cosquinhas, mas a menina não poderia colocar para fora ali daquela forma. Era confuso querer tornar o bendito texto público e ao mesmo tempo preferir que ele ficasse escondido. Tão bem guardado que ninguém nunca pudesse imaginar que aquilo tinha visitado a cabeça da menina. O que poderiam entender depois de olhar para aquelas letras? Como interpretariam a vírgula cuidadosamente deslocada para fazer companhia a certo adjetivo? Talvez ninguém daria importância ou aqueles caracteres mudariam para sempre a maneira como a garota era vista. Afinal de contas, na internet tudo vem carregado com o poder da eternidade e a magia de se espalhar quase como poeira no vento. A menina nunca saberá como poderia ter sido. O botão “publicar’ permaneceu intocado e os caracteres foram deletados. Dessa vez, para sempre. 

domingo, 14 de agosto de 2011

Tamanho GG



Seis quilos. Uma tal nutricionista entregou para a menina uma dieta. Numa época em que toda mulher está correndo atrás de dieta da sopa, da lua, da princesa e tantas outras para ficar magra, ela estava andando na contramão. Precisava ganhar seis quilos. Isso mesmo, ganhar. E é claro que no meio do caminho enfrentar a indignação das pessoas. Afinal, o que dizer de uma pessoa que está precisando ganhar algo que muitos fariam de tudo para perder? A garota nem achava que precisava ganhar peso, a saúde ia bem apesar dos problemas emocionais e a vida seguia como sempre. Queria ganhar outras coisas só que, enfim, isso não vem ao caso agora. Mas como todo mundo tem mania de se apegar a palavras de especialista, lá foi ela seguir a risca tudo que foi pedido. As sete refeições do dia eram sempre bem acompanhadas por fibras, suplementos e tudo mais que ajudasse no processo de engorda. O tempo foi passando e os quilos não vieram. Ninguém sabia por quê. Claro que a nutricionista tratou de duvidar que as orientações estavam sendo, realmente, seguidas e a dieta foi novamente ajustada.

A garota acabou desistindo e foi seguir seu caminho como antes, fazendo algo que ela sempre achou absolutamente normal: comer quando se tem fome. E eventualmente quando se tem apenas vontade. Porque não? Talvez as orientações nutricionais sirvam para quem não se sente bem com o corpo que tem. Só que, definitivamente, na vida existem coisas muito mais pesadas do que o peso. Mesmo que o zíper da calça favorita não feche mais ou a barriga atrapalhe na hora de amarrar o tênis.  É sempre tempo de se encantar por uma nova calça ou explorar o corpo e novas possibilidades para ajeitar o cadarço. Mesmo que no clube a vergonha transforme a canga em amiga inseparável ou sua cintura descubra que não é igual à de ninguém. Principalmente não é igual à daquela moça da revista que recorreu à lipo ou ao Photoshop ou aos dois. A menina pode não ter esse peso ai das gordurinhas só que, de vez em quando, ela também é como todo mundo e não escapa das outras coisas para carregar na vida. Só que pra resolver essas não existe o combo redutor de medidas: dieta + academia + cirurgia plástica + promessa + simpatia + oração para Santo Expedito. 

sábado, 6 de agosto de 2011

Aula sábado


Mais de 10h da manhã. Ela estava na sala de aula em um sábado. Mais um sábado a ser somado aos outros tantos dos últimos quatro anos e que se juntará aos que virão até o fim de 2013. A menina chegou cedo, às 8h, e teve que acordar mais cedo ainda. Colocou o celular para tocar 15 minutos antes do tempo previsto só para apertar o modo soneca e ter o prazer de se enganar achando que a vida tinha lhe dado de presente mais um tempinho de sono. E às vezes como é bom se iludir um pouco para as coisas parecerem melhores. Pena que todo mundo um dia acorda e daí, além de sentir falta da ilusão, se sente idiota pelos alimentos fornecidos a aquela sensação. Como o cansaço era grande, o modo soneca foi apertado novamente e o resultado foi mais um dia saindo sem tomar café e correndo atrás do ônibus. Tudo para não chegar atrasada, coisa que aquela menina sempre teve medo. O que poderiam dizer dela? Pensar que ela era irresponsável, coisa que a garota sempre lutou pra não ser. 

Depois da aula de inglês, mudou de sala para começar mais uma aula, agora de outra língua. No início, bateu uma preguiça que dois ou três bocejos não deixaram que ficasse escondida. Como de costume, uma musiquinha para atrair a atenção dos alunos, treinar pronuncia e aumentar o vocabulário. E como a canção era triste... Parece que quando a gente não está muito bem tudo vira indireta para mexer numa ferida antiga. E a menina para piorar a situação resolveu achar que aquilo tinha tudo a ver com ela. Experimentou a carapuça que acabou ficando certinha e ainda combinando com a roupa e os sapatos. Logo depois, a conversação caminhou para assuntos que a menina não queria tratar, ou preferia que fossem tocados na sala da psicóloga. “Como foi o seu último relacionamento?”. A pergunta direcionada para a colega, que está completando um ano de casamento, acabou sendo encaminhada também para a menina. E o questionário seguiu seus desdobramentos. O tempo foi nublando sem chover. E pelo menos dessa vez, ela segurou a chuva. Descobriu que de uma hora pra outra possuía esse poder. Quem sabe o próximo passo não seja conseguir afastar as nuvens cinzas com um sopro e levar o sol para um passeio.