domingo, 19 de agosto de 2012

Vê se pode?!


Assistia filmes de terror a noite e com a luz apagada. A menina fazia isso quando tinha 8 anos e achava tudo o máximo. Aquele clima de suspense, a sensação de demostrar aos outros como era uma criança corajosa, principalmente para o irmão mais velho, tornava tudo ainda melhor. Claro que na hora de dormir a história era outra. Ela via em qualquer sombra de um móvel a presença discreta do Freddy Krueger. Uma pasta mal colocada em cima do guarda-roupa era igualzinho ao famoso chapéu do vilão. E as gradações de luminosidade permitiam fantasiar que ali estava a conhecida camisa dele, listrada com as cores do Flamengo. E como o universo desses filmes tem personagens para todos os gostos, também sobrava espaço para os brinquedos assassinos, bonecos deformados, e mocinhas que davam sentenças de morte via telefone. 

Mas naquela época, o medo aparecia com uma pitada de diversão, suavizado pela ideia de que o sono logo vinha e a claridade da próxima manhã também. As cenas eram assustadoras, mas nada que gerasse nojo ou algum incomodo maior. Estranho mesmo é que o mal estar diante do horror das telas só apareceu quando a infância foi embora. A menina começou a não se sentir muito a vontade com massacres de motosserras, golpes de machados na cabeça e gritos de pessoas aprisionadas. Pode ser porque quando se é pequena a realidade e a fantasia podem se vestir de verdade ou mentira com a conveniência dos pais e dos filhos. Tudo para manter as barbaridades da vida mais distantes. E ainda tem criança querendo crescer logo... Vê se pode?!    

domingo, 5 de agosto de 2012

Em segundo plano na vida



A menina saiu de casa para cuidar da própria vida. Não, ela não estava se mudando para viver como adulta longe da família. Fazia isso perto dos pais mesmo e não via nenhum problema nisso. O que ela tinha decidido era resolver pequenas pendências que sempre ficavam para trás porque a garota pensava: “Isso aqui não vai atrapalhar a vida de ninguém, então deixa para depois ou para nunca mais”. Mas ela estava enganada ao não tratar certas coisas tão pequenas como prioridades. Afinal, adiar uma visita ao médico, não renovar um documento já com a validade vencida ou deixar as roupas sujas se acumulando no cesto mostravam o descaso que mantinha com alguém tão importante: ela mesma.

A ânsia em deixar os outros sempre satisfeitos, fazer favores e oferecer ajuda para ser aceita, só trazia uma angustia que não passava. Era impossível garantir que todos estariam bem, o que inevitavelmente aparecia para ela como sinônimo de fracasso. Além disso, revelava como a menina se colocava em segundo plano na vida. Talvez por isso aquela saída para tirar o passaporte, fazer exames e ir ao banco carregava um significado especial que a bendita burocracia e a imensa fila não conseguiam apagar. A cada pendência resolvida ela se sentia como reservando um momento exclusivo para si mesma. E isso acabou gerando um efeito cascata. Apareceram mais e mais coisas para resolver e quando não surgiam ela inventava. Era bom demais cuidar de alguém que merecia tanto.