domingo, 13 de janeiro de 2013

Livro trapaceiro



Dentro da loja, apenas livros em liquidação. Coitada. A menina foi até lá para fazer o mesmo que tantos outros diante de grandes promoções: gastar de forma despreocupada, agora, para se preocupar muito nos próximos dias e meses. E o peso não seria apenas no bolso. Os braços quase não davam conta dos sete volumes, dois com cerca de 200 páginas, três com pouco mais de cem e outros dois com 300 cada. A consciência também perdeu a leveza. Comprar é muito bom, gastar com o que se gosta é ainda melhor. A possibilidade de não conseguir aproveitar o que acabou de adquirir incomoda. Era praticamente jogar dinheiro fora. A garota sabia que não poderia ler aquilo tudo tão cedo. Dois empregos e dois cursos fazem com que o saldo das horas de cada dia se torne negativo ao somar o tempo necessário para lazer e descanso. 

Assim alguma coisa ficava sempre de fora. O sono é que não era. Tentou montar uma escala para aproveitar até o intervalo do almoço e o trajeto de ônibus. Colocou cada livro em ordem de prioridade e calculou a velocidade de leitura. Como todo sistema rígido demais, deu errado. Até se questionou se não teria sido mais esperto da parte dela ter  entrado em uma loja de roupas do que em uma livraria. Para usar um vestido novo, a disponibilidade não importa. Basta ter um corpo, não importando se ele está cansado ou não. E ainda apareciam os amigos para emprestar livros que, imediatamente, furavam a fila. Livros trapaceiros. Dessa forma, os sete viraram 12 rapidamente. A pilha na cabeceira não deixaria de ser um problema quando terminasse. Até porque não terminaria nunca. O jeito foi enxergá-la de outra forma. Rastros da velha mania de encarar a diversão de maneira tão metódica quanto o trabalho. 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sossego compartilhado



Distante de casa, a menina passeava nas proximidades de um sitio arqueológico. Alguns tiravam fotos, outros trabalhavam guiando os turistas e uns poucos estavam lá com ferramentas para escavar e revelar o que a terra escondia. Só ele parecia não fazer nada. Ou melhor, gastava o tempo se dedicando ao que muitos sonham na vida: conseguir relaxar mesmo em meio a agitação. O cãozinho tão pequeno, frágil, se mantinha despreocupado de tal maneira que nem parecia ser possível naquele contexto. A garota logo pensou que ele poderia não estar vivo. Só isso explicaria tanta quietude. Se aproximou bem lentamente, já com pena do animal que não estaria mais vivo. Só que ele estava. 

Respirava com a leveza de um sono de criança que adormeceu bem alimentada, de fralda trocada e depois de ter escutado uma história. O cachorro fazia movimentos tão sutis, que só mesmo quem estivesse a alguns centímetros seria capaz de ver. A orelha balançava subindo e descendo como se ele acenasse discretamente para alguém. Os dedos das patas dianteiras se curvavam com suavidade como se fosse um empenho de quem tenta disfarçar que está sentindo cócegas. Encantada com o comportamento do animal, a menina demorou um pouquinho para se afastar. Só fez isso quando se deu conta de que poderia atrapalhar aquele instante de paz. Ela até gostaria de viver um pouco daquele sossego, mas sem que o cãozinho perdesse nem uma gota de tudo aquilo.