domingo, 25 de março de 2012

Chega o natal...



“O melhor da festa é esperar por ela.” A menina sempre escutou essa frase embora nunca tivesse motivos para concordar. Via as amigas planejando penteados, comprando vestidos novos, falando dos garotos que estariam lá. Para ela, saber de uma festa era um motivo de tensão. Uma mistura de vontade de que passasse logo, ansiedade por todo o trabalho que teria para chegar lá mais ou menos bonitinha e o medo de tudo de errado que poderia acontecer antes, durante e depois. E o histórico não ajudava a ter uma visão mais otimista da comemoração. Depois de usar toda a criatividade para fazer com que roupas já bem conhecidas se combinassem parecendo novas, a sandália escolhida estragava no meio do caminho. No salão de beleza, a luz até chegou a acabar enquanto o cabelo tinha sido escovado pela metade. E quando a energia voltou, tudo parecia ficar bem até a chuva exercer o poder de transformar o cabelo em um pseudo Black Power mesmo sem encostar nele com uma só gota. 

As espinhas e o frio no estômago apareciam estrategicamente na véspera como é costume com todas as meninas que já tem algum problema de autoestima.  E no grande dia, valia sentar em uma cadeira molhada, se constranger graças à beleza das meninas chatas da escola, se sentir ridícula dançando ou ridícula por não dançar. Enfim, as festas pareciam não cumprir a risca o significado dessa palavra. Mas deixaram algo de engraçado. A confirmação de que as coisas não podem ser sempre do jeito que a gente quer, de que dá pra rir de pelo menos 80% das coisas ‘ruins’ que já aconteceram com a gente. Basta só o tempo dar de presente a maturidade necessária para jogar de lado a sandália estragada e dançar descalça. Molhar o cabelo bagunçado e prender acreditando que está ótimo. Encarar espinhas como sinal de juventude e a beleza dos outros como tão bela quanto a sua. E amenina só tem algo a dizer sobre isso: “Chega o natal, mas não chega essa tal maturidade”.    

domingo, 11 de março de 2012

Roupa preta



Nas mãos, luvas de renda preta que deixavam parte dos dedos a mostra. O suficiente para permitir que fossem vistas unhas cumpridas e cuidadosamente pintadas com um brilhante esmalte preto. Naquele sábado em que o sol mantinha, às 17h, o mesmo vigor do meio dia, a garota aparentava como que imune ao tempo.  A blusa negra, de tecido grosso, envolvia os braços por completo. E na menina tudo parecia querer ficar escondido. Nos olhos, delineador, rímel e sombra trabalharam juntos para que a escuridão tomasse conta das pálpebras, cílios e contornos. Talvez uma tentativa de fazer com que a maquiagem chamasse atenção suficiente para tirar o foco de um olhar sem cor. Outras peças de roupa, igualmente escuras, como saia e meia calça tratavam de ocultar as pernas. E na tentativa de se refugiar das pessoas, das cores, da vida ela se tornou uma figura impossível de passar despercebida. Ironicamente escolheu o jeito errado de tentar se ofuscar. Ou será que o desejo dela era, na verdade, atrair a atenção?

Independente da intenção, o fato é que entre a falta de cores os únicos sinais de contraste eram a caveira pintada nas costas e o rosto pálido da menina que denunciava a ausência de interação entre pele e sol. Quem está perto dela tenta entender o porquê do repúdio às cores, já que longe dos excessos e ligadas umas às outras numa combinação planejada pelo destino, só deixam tudo mais leve. Pode ser que a garota ainda não esteja preparada para isso, se viveu por muito tempo na escuridão. Afinal, nessa vida tudo que é novo é estranho e demora pra fazer sentido. Em algum momento ela vai acabar esbarrando num verde, tropeçando no amarelo, sendo envolvida pelo azul ou acariciada com um pouco de lilás. Nesse mundo doido, apesar de tudo ainda existe luz. O suficiente para as cores se revelarem. Depois desse encontro, a menina no fundo sabe o que virá.  

domingo, 4 de março de 2012

Tá olhando o que?



Uma casinha antiga no centro da cidade. Lá dentro, pessoas que a garota nunca havia visto. Depois de tirar os sapatos, lá estava ela caminhando com uma leveza imposta de quem se sentia na obrigação de não fazer barulho. Mesmo sem motivo. As conversas também se mostravam contidas enquanto os pés deixavam cada degrau para trás rumo ao segundo andar. Logo já se encontrava em uma nova sala onde os iniciantes no centro de meditação se encaminham. A curiosidade, como de costume, era tanta que fazia cócegas na capacidade de concentração. Por isso que a menina não conseguia parar de observar a textura macia do tapete tão bem bordado que dava vontade de ter um igual em casa. As portas que se fechavam sem interromper o silêncio tentavam disfarçar a idade e desgaste das dobradiças. Os exercícios de relaxamento começaram após uma explicação teórica que, embora tenha sido breve, a ansiedade fez parecer uma palestra de três horas.

E ao começar as atividades, o que deveria ser o foco de concentração não conseguiu atingir sua meta. Bem na frente da sala uma mulher emoldurada com detalhes em amarelo olhava diretamente para o fundo dos olhos de quem dirigisse o olhar a ela. Ao redor daquela imagem grande, tecidos vermelhos e rendas cor de ouro. Entre as flores entregues de presente a aquela fotografia um pequeno foco de fogo que iluminava toda a sala e não demonstrava intenção de se apagar. A ideia era olhar para a mulher enquanto a cabeça ia jogando os pensamentos no lixo. E quem disse que a menina conseguiu focar a atenção naquela senhora? Seria inevitável não ficar imaginando como teria sido a vida daquela pessoa. E era estranho o olhar fixo que parecia tentar adivinhar o que estava na cabeça de cada um. Enfim, a garota não encontrou sentido no que era tão significativo para as pessoas daquele lugar. Mas parece que observando o caminho dos outros a menina consegue ir identificando qual é o dela. Mesmo que eles sejam diferentes.