domingo, 20 de novembro de 2011

Para achar o equilíbrio


Ela aprendeu a andar de bicicleta sem cair nenhuma vez. E o aprendizado foi bem tarde, fora daquela época em que as crianças vão treinando com bikes pequenas. Daí tiram a rodinha da direita, depois a da esquerda, em seguida contam apenas com a segurança trazida pelas mãos do pai e, mais tarde, vão confiar em si mesmas e na sorte. A menina começou a praticar, com a bicicleta do irmão, quando tinha 15 anos. Ela se sentou apoiou as mãos e os pés já estavam pedalando. Claro que o irmão ficava ao lado segurando a bike para evitar os tombos. Quando percebia que a garota estava um pouco mais segura, ou melhor, menos insegura, ele soltava estrategicamente as mãos até a menina se dar conta de que estava andando sozinha. Naquele instante ela imediatamente se desequilibrava e começava a gritar. E lá estava ele para evitar a queda.  

Evitando o contato com o chão e fugindo da dor de um joelho ralado ou braço quebrado ela foi evoluindo até aprender a virar, descer ladeiras, subir morros e pedalar em pé. Na época em que já seguia sozinha, a segurança de quem havia aprendido estava ali. Mas de nada serviu quando a barra da calça ficou presa na corrente da bicicleta no meio de uma descida. Sem ninguém por perto, nem é preciso dizer o que aconteceu. Finalmente ela entendeu que para não cair era preciso cair. Nem que seja uma única vez. No fim das contas, nenhuma conseqüência mais séria, mas o medo de perder o controle e ir ao solo nunca foi embora. A menina até conhece o fabuloso segredo que bailarinas e acrobatas usam para fazer aquele monte de giros e se manterem de pé, inabaláveis. Basta focar em um ponto a sua frente. Só é preciso esquecer o que está ao lado, manter a cabeça em pé e resistir à vontade de olhar para trás. Mas até isso exige treinamento. Que pena...    

sábado, 12 de novembro de 2011

Hoje eu vou pro lado de lá


Ela está indo embora. E mesmo que sinta vontade não poderá mais voltar. Vai para um lugar diferente onde não imaginava ter que ir tão cedo, ou melhor, sabia que a hora chegaria, mas não queria. O jeito é levar junto todas as coisas que são dela de verdade. O cãozinho de estimação fará o trajeto numa caixa de transporte bem confortável e linda: rosa com prata. Mas antes de acomodar o bichinho para a viagem ela precisa esvaziar suas gavetas e preencher as malas. Começou o trabalho de baixo para cima e logo encontrou cartões de natal antigos, da época em que as pessoas não achavam brega entregar isso aos amigos no fim de ano. Algumas figurinhas repetidas de um álbum que nunca conseguiu completar se abrigavam no cantinho. A caneta bonita que ganhou junto com uma agenda e ambas não foram usadas porque eram tão lindas. A tinta da caneta foi poupada para não acabar nunca e agora que o tempo passou está seca e já não serve mais. Já a agenda, que é de 2002, deveria ter sido aproveitada há 9 anos atrás, quando era atual e não estava com as folhas amareladas. 

Logo ao lado, os adesivos que não escaparam da crueldade do passar dos anos: estão desbotados e não conseguem se prender a nada. Foi assim que a garota aprendeu a lição que levará para o resto da vida, usar imediatamente qualquer adesivo que tiver nas mãos. Certas coisas definitivamente não podem ser guardadas. Na parte de cima, envelopes, ingressos de shows e laços de fita que ajudaram a fechar papéis de presente jogados no lixo ou usados como embrulho mais uma vez. Também estavam lá cartões e uma foto de um antigo passado que parece tão recente. Esses não eram objetos dela e nunca foram na verdade. Mas estavam ali. Entre os vários destinos acabaram sendo enviados para o dono de fato. Como deveria ser. Agora naquela gaveta não há mais nada, só o vazio. O que não deixa de ser alguma coisa, né?! Como não tem mais o que fazer ali, a menina segue. Acabou de esvaziar apenas a primeira gaveta.      

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O menino e a menina


Ela resolveu sair de casa com unhas coloridas. Uma combinação de três cores que faziam um efeito degradê. Fez achando que ninguém iria perceber, afinal, quem que fica reparando nas unhas dos outros? Mas ele percebeu. Enquanto levava um copo de refrigerante da mesa até a boca, escutou o menino dizer: “Suas unhas são bem diferentes”. A garota logo pensou que ele tinha achado ridículo e foi logo perguntando se o menino quis dizer que estavam estranhas. Ele disse que não. E depois de um sorriso falou que ela tinha mãos lindas. Quem que fica reparando a mão dos outros, gente? Tímida com o elogio, ela começou a observar as próprias mãos discretamente, os dedos compridos a pequena cicatriz do dia em que estava fritando batatas em casa e o pedacinho de cutícula não removido pela manicure. Meio que num susto, sentiu uma mão quentinha se aproximar e se juntar às dela. 

Ficaram as três mãos apoiadas na mesa do bar enquanto o garoto puxava papo com assuntos que iam perfeitamente se cruzando. Parecia tudo parte de um roteiro muito bem construído já que eles se entendiam tão bem e as risadas eram quase simultâneas. O tempo foi passando e eles não perceberam. Nem se deram conta de que as outras pessoas da mesa se afastaram. A garota ficou ainda mais vermelha quando descobriu isso. Tomou coragem para levantar a cabeça e encontrou dois olhos muito bonitos. Não eram das cores que costumam atrair a atenção dos outros, mas de um castanho escuro bem simples como um monte de coisas boas que existem na vida. E foi justamente bondade que ela viu misturada nos tons de castanho que só eram percebidos por quem prestasse muita atenção. Um degradê de castanhos. Se achando invasiva demais por ficar olhando tanto tempo para ele, abaixou a cabeça novamente e disse que precisava ir, afinal já era tarde. Mas não tarde o bastante para que o garoto segurasse a mão dela e dissesse: “Então vamos”.