domingo, 27 de fevereiro de 2011

Três travesseiros tristes


Banho demorado e uma boa noite de sono. Ela e muitas outras pessoas já escutaram essas dicas que, segundo os mais sábios, cura de TPM a dor de cabeça, passando por dor de cotovelo (nos dois sentidos) e tristeza profunda. Também já disseram a ela que se agarrar ao travesseiro e chorar até adormecer é outra estratégia eficiente. A menina que tem 3 travesseiros garante que a última tática, assim como as outras, até alivia, mas não resolve nada. O procedimento deve ser feito seguindo um ritual que inclui luz apagada, porta trancada pra sua mãe não entrar dizendo que a comida está pronta ou a sua irmã invadir o espaço pedindo uma blusa emprestada. Janela fechada, mesmo que esteja fazendo calor e não pode faltar cortina pra barrar qualquer claridade mais intrometida.

No dia seguinte, os problemas ainda estão lá de alguma maneira. Uns mais leves outros tão fortes como antes e alguns só na lembrança mesmo, mas sem querer ir embora. Convencida de que as medidas são paliativas a menina cria outras alternativas. Faz isso com certa alquimia misturando o que as pessoas amigas sugerem e o que ela mesma acredita ser o melhor caminho. Sair de casa, alguma atividade física, ir ao cinema, dançar muito, paquerar um desconhecido e outras tantas idéias para mudar de vida e ou melhorar a que já se tem. Quanto ás novas possibilidades criadas, ela não sabe se funcionam. Nem entende se será preciso misturá-las com as antigas em dias alternados. Também não teve coragem para testar tudo isso, mas quem sabe um dia, né?! Certas idéias deixam a face da garota morena pra lá de vermelha. Ela mal começou o processo de abandonar o travesseiro como amparo exclusivo e já está diferente. Não sabe que está diferente, mas está.       

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cinco livros


Eram duas filas dentro da biblioteca. Uma grande e outra pequena. A menina que já estava com pressa para o almoço trazia nos braços um livro para se distrair dentro do ônibus e outro para estudar mesmo. Ela não pensou duas vezes e escolheu aquela fila que parecia a opção obvia para quase todo mundo. Quase todo mundo mesmo. Em questão de segundos, surgiram outros 10 estudantes. Nove deles seguiram para a fila grande. Povo besta, né?! E apenas um resolveu se posicionar atrás da garota para esperar a vez de fazer o empréstimo dos livros e se encontrar, em seguida, com dois parceiros: o salgado e o copo de refrigerante. (Sim, em tempos de prova e horário apertado um lanche vira banquete.) A menina não sabia se a única companhia daquele garoto ao meio dia seria a refeição, mas que ela pensou sobre isso é verdade.

Voltando ao assunto da fila, logo logo a menina entendeu porque a maioria preferiu a que estava maior. A atendente mais rápida era a do outro lado e pra completar o computador que registrava os livros da fila pequena estava dando problemas. Depois de perceber que não tinha sido muito esperta, e mais complicado ainda seria sair de lá, ela resolveu esperar no mesmo lugar. Os pensamentos foram interrompidos por uma voz masculina, a do menino que teve a mesma idéia brilhante que ela. “A fila tá assim só porque a gente veio pra cá, né?!”, ele disse. Ela sorriu e ele também. Depois não disseram mais nada, apenas olharam. Ele carregada três livros. Um de cálculo, outro de programação e um que ela não conseguiu ler a capa. A camisa dizia “Ciência da Computação” e o sorriso contava o quanto ele era tímido. A despedida foi desacompanhada de palavras.    

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Divã sem divã


Ela sempre foi muito fechada. Dessas que quando surge conversa com algum papo mais íntimo, bem pessoal, vai logo pulando fora convidando um outro assunto para chegar ou então indo embora mesmo. Nem certas amigas conseguiram algum sucesso na hora de descobrir os segredos geralmente revelados quando se tem confiança. Mas dessa vez não teve como escapar. Às 9h da manhã de uma quarta-feira, ela se encontrou com uma senhora, não tão senhora assim já que os cabelos estavam longe de serem brancos e a pele mais longe ainda de ser enrugada. Aquela mulher passou uns 4 anos, ou sei lá 5, na faculdade justamente aprendendo a arte de extrair confissões daquela menina e tantas outras pessoas. Nossa! Vai ter muita psicóloga ofendida com essa descrição, mas agora já era.

Por falar em já era, aquela lá era só uma conversa inicial, primeira sessão. A senhora não tão senhora chegou logo perguntando. E é claro que não vou contar aqui o que ela perguntou muito menos o que a menina respondeu. Uma sentiria como se o trabalho estivesse sendo invadido e a outra me perseguiria até a morte por contar um tanto de coisas. Fato é que naquela sala bonita e bem decorada toda cheia de livros, com sofá bordadinho e não muito macio as duas estranhas conversaram a vontade. Depois de uma hora a menina saiu dali até achando legal essa coisa de quem é psicóloga. Na verdade, todo mundo é, ou pelo menos deveria ser, um pouco psicólogo na vida. Ouvir muito, perguntar bastante e dar uns palpites, mesmo que a primeira vista um pouco malucos. Né não?            

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Só para passar o tempo


Ela sentou num banco de praça. Calma aí que não tem nada a ver com aquela história da música sertaneja não. A garota estava cansada porque ficou de 8h às 18h andando de um lado pro outro com um salto 7 cm. Só queria descansar mesmo antes de se preparar para a maratona de volta pra casa. Não é nada prudente escolher um lugar como esse para se sentar no fim de tarde, já que moradores de rua, bêbados e, principalmente casais de namorados, costumam bater ponto por ali. Ela não sabe bem porque estava lá, mas estava.

De uma hora pra outra, um cara se sentou logo ao lado. A reação imediata seria pular fora dali já que a chance de um desconhecido se aproximando, naquela situação, ser uma coisa ruim seria grande. Só que não era hora de ir. E ele também não fez nada. Estava mais ou menos bem vestido. Não tentou se aproximar e não veio com aquele papinho manjado de homem querendo chamar a atenção de uma mulher. Apenas sentou ao lado e alternou a atenção entre o nada e o que se passava envolta. Talvez queria se dedicar unicamente a admirar o vazio, mas quando se trata de uma praça numa cidade grande seria muita ousadia.

O tempo passou e alternadamente um começava a olhava para o outro até que ele se manifestou: “Por favor, quantas horas?” Eram 19h. Ele pediu licença, se levantou e foi embora. Ela fez o mesmo. O objetivo dos dois naquela praça parecia o mesmo e havia se cumprido. Ou talvez não. Será que cada um ali queria mesmo só esfriar a cabeça para deixar a vida de sempre seguir? Acho que estavam procurando alguma coisa que estava bem perto de ser encontrada, mas resolveu brincar de se esconder porque ainda não era o momento certo.         

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O mundo é bão Sebastião


Ela não precisou abrir a porta. Ele saiu e chamou a menina pelo nome. Por falar em nome, o dele é Sebastião. Daí eles foram para a sala. Primeiro ela e depois ele. Sabe aquelas coisas de imaginar como é uma pessoa só de saber como se chama? Pois é. Quando se escuta a palavra Suzana ou Átila, por exemplo, quase todo mundo consegue visualizar uma pessoa de personalidade forte. Do mesmo jeito que Clarice ou Cecília lembram a suavidade que essas palavras têm. Bom, quando a garota escutou aquele nome pela primeira vez as impressões foram bem parecidas com o que se confirmou na vida real. Um senhor baixo, meio calvo. Um jeito serio e ao mesmo tempo bondoso. O olhar interessado e as perguntas tão diretas fizeram a menina desabar.

Chorou tudo que queria enquanto o olhar se dividia entre a face do médico e os receituários empilhados cuidadosamente na mesa. Diante disso o homem apenas se preocupou em ouvir e perguntar, perguntar e ouvir. Nada de uma reação típica daquelas entre amigos com abraços, lágrimas enxugadas e frases mentirosas de consolo. E não era mesmo isso que ela queria encontrar ali. Um estranho com mais experiência e conhecimento sobre o assunto já estava bom. No final daquele encontro, o doutor contou como seria daqui pra frente, deu um aperto de mão, abriu a porta e disse a frase que fez a menina sentir a sensação de beber um copo de limonada suíça gelada em uma tarde de 35 graus: “Ah e não preocupa com isso não!”     

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Quando for diferente


Ela sempre falhou em momentos decisivos. Em uma entrevista de emprego resolveu ser bem honesta e acabou escutando o não que não queria. Na hora do pênalti, o goleiro apenas moveu a cabeça para ver a bola passando por cima do travessão. No meio de uma discussão ela deixava alguma coisa parada na garganta para só bem mais tarde perceber como já não fazia sentido dizer nada. Ou então fazia sentido, mas o tempo já tinha se encarregado de forçar a frase a ficar guardada. A garota sempre sofreu como em uma espécie de efeito retardado. Não, ela não é nem nunca foi retardada. Apenas gostava de não demonstrar de imediato aquilo que doía tanto. E como é mágico dar aos outros a sensação de que você é inatingível... Pelo menos ela pensava assim.

E disfarçava com tamanha habilidade e logo todos percebiam uma alegria imensa que não sabiam se tratar de uma grande mentira. O meio mais fácil de tentar enganar a todos. Ninguém sabia como ela estava triste, mas para o bem ou para o mal ela, no fundo no fundo, sabia. Em um belo dia, que tinha tudo para ser belo, e não foi tão belo assim, ela inventou de dizer a uma amiga sobre a indiferença diante de uma situação. As duas acreditaram, mas no momento exato ela percebeu não ser bem assim. O melhor a se fazer era deixar que, pelo menos a amiga, continuasse acreditando que estava tudo certo. De repente, o que a cabeça guardava se transferiu para o restante do corpo em uma sinfonia de sintomas orquestrados como numa doença grave. Mas apesar disso parece que as coisas vão caminhar bem. Um estranho disse a ela que pode ser diferente. Ela resolveu acreditar. Quem sabe ele não esteja certo?             

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Conversa dos outros


Dois caras de meia idade tentando lembrar o nome de um jogador de time do interior. De repente um diz: “o cara é o Val Baiano”. Eles estavam no ônibus e a menina logo no banco da frente. Já que era acostumada a acompanhar jogos de futebol, ela sabia qual era a resposta. Na verdade, o nome era Kal Baiano, aquele que jogou no Vila Nova de Nova Lima.  Val Baiano é o centroavante meio ruim que jogava no Flamengo e matava a torcida de raiva, mas isso não vem ao caso. Primeiro a garota pensou em se virar e ajudar a desfazer o engano, só que preferiu apenas observar.

O papo continuou e um deles admitiu que gostava de ver os jogos colocando a TV no mudo tendo ao lado a companhia do rádio. Ela sorriu e logo veio à lembrança as várias vezes em que também fez isso e acabou se acostumando com a diferença entre o tempo da imagem e o do som. A conversa seguiu e ela percebeu que poderia perfeitamente intrometer se não fosse por uma coisa. A menina não sabia se eles estavam preparados para a participação de uma mulher que entende tanto quanto eles daquele assunto meio masculino. Seria a mesma coisa de encontrar um cara que conhece a diferença entre alisamento e relaxamento ou sabe o que é um Scarpin : todo mundo olha como se ele tivesse algo de errado. Parece que a gente procura pelo diferente, mas ninguém está muito preparado para encontrá-lo.