sexta-feira, 29 de abril de 2011

A menina com medo de portas



Uma bem em frente a outra. Lá estava a menina e a porta. A garota precisava passar por aquele obstáculo, e como era simples fazer isso. A facilidade de girar a maçaneta escondia a dificuldade e o medo de encontrar o outro lado. Pela primeira vez em vinte anos de desafios na vida escolar, ela havia chegado depois do professor e encontrado a porta fechada. A menina tímida, já na universidade, imaginava as mais diversas possibilidades do que poderia acontecer depois da movimentação daquele objeto. Olhares de deboche, risadas maliciosas, indiferença e a cara de reprovação do professor que, na certa, imaginaria: “Até ela está dando mau exemplo agora”. Também pensou outras coisas que, assim como essas, caberiam perfeitamente na cabeça de uma garotinha de 7 anos de idade. É claro que entre esses pensamentos não faltou a clássica cena em que ela entrava e era apontada por 30 dedos que direcionavam todo tipo de comentário, gargalhada ou mesmo uma musiquinha.

Enquanto tentava saber o que fazer, surgiu no meio do corredor a solução. O garoto que chegou atrasado a vida inteira mais uma vez seguia a rotina. Esperta como sempre, ela esperou que ele entrasse fazendo todo o trabalho de abrir a porta e ser percebido como atrasado. A menina entrou imediatamente atrás dele e procurou um canto discreto para sentar. Tudo aquilo que aconteceu, dentro e fora da cabeça dela já não permitiam que a garota estivesse atenta às discussões filosóficas da aula. Ficou ali com o caderno aberto pensando porque abrir uma porta assustava tanto e entendeu, sem grandes dificuldades, que a vida é cheia de portas. Aquela que você fecha pela última vez quando vai viver longe dos pais, outra que você abre com receio e satisfação no seu primeiro dia num novo emprego. Algumas que precisam ser abertas com muita força e outras que se abrem em momentos inesperados. Não faltam também tantas portas que acabam sendo batidas na sua cara enquanto você tenta engolir as magoas acreditando no ditado de que Deus abrirá outras novas, ou providenciará ao menos uma janela com visão panorâmica.  O certo é que a menina precisa perder o medo de portas já que elas estão aí por toda parte.      

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Quando a menina encontrou o mar



Era muita areia e muita água. A menina adolescente, pela primeira, estava de frente para o mar, de verdade. Não era como na televisão que ele parece ser retangular e exatamente do tamanho do aparelho que você tem em casa. Também não era como nas fotografias onde ele se mantém belo, porém estático. Ali, os olhos tentavam dar a dimensão das coisas, mas pedindo ajuda a outros sentidos. Olhar indicava que a extensão de água não tinha fim, já que no horizonte, dois azuis, o do céu e o do mar, se encontravam deixando claro que aquilo não era um ponto final para tanta imensidão. Também ficava difícil dizer onde o mar começava porque as ondas brincavam o tempo todo de se aproximar de formas diferentes tentando chegar perto de modo ousado ou tímido. Os pés sentiam a areia fina e macia sempre envolvida carinhosamente pelo calor do sol. E que às vezes se aquecia muito, como numa espécie de acordo entre areia e mar (com patrocínio do sol), para levar a menina mais rapidamente até a água, na tentativa de aliviar o calor. Com a aproximação, a boca sentia o gosto salgado, os ouvidos percebiam o som das ondas misturado a risos de crianças, gritos de pais e mães chamando os filhos para comer e os sininhos do carrinho que vende picolé, cerveja, queijo quente, óculos, canga, água de côco ou qualquer outra coisa que você precisar.

As sensações de frio e calor se misturam rapidamente na menina que já está com o corpo molhado e resolve voltar para deitar e apreciar a vista enquanto se seca. No caminho de menos de 100 metros, ela encontra conchinhas deixadas de presente pela água para enfeitar um cenário que já nem precisa de enfeites, mas aceita a gentileza com gratidão. Depois disso, a garota sente que dentro dela algo parece diferente. Ela se lembra de como estava tímida quando chegou e teve que tirar a blusa e o short para ficar apenas de biquíni diante de tantos desconhecidos (senhoras de biquíni fio dental, senhores com barriguinha de chop e crianças com a pele queimada de sol e baldinho na mão). E como demorou a tomar coragem para fazer isso. Agora a timidez tinha sido constrangida pela beleza da praia e convidada a ir embora.   

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A menina e o menino


A menina vestida de roxo e, meio que por coincidência, aquele garoto também. No meio de um monte de gente desconhecida, eles se identificaram. Não pela cor da roupa, que poderia ter sido qualquer outra, mas acabou sendo roxo. Se reconheceram pelo olhar curioso em descobrir mais sobre a pessoa que estava ali tão perto e a timidez inicial tentava afastar. Caminharam com certa falta de jeito rumo a uma bilheteria e então brincaram com as cordas que servem para organizar as filas. A conversa não parava nunca e caminhava sinuosamente entre escolhas de roupas, filmes, piadas e até cenourinha amarela e jiló. Tudo misturado com risadas e sorrisos. Ingressos comprados, chegava a hora de entrar para a sala de cinema. Lá dentro, uma comédia.

Na tela, um homem disfarçado de velha gorda e nos bancos a menina e o menino riam como duas crianças que acham graça até de piada besta. Não precisava de pipoca, nem refrigerante nem mais nada. A diversão era olhar para a tela e encontrar logo ali ao lado alguém para comentar e gargalhar, não necessariamente nessa ordem. As luzes se ascenderam e eles quiseram continuar o passeio. Não uma questão de cumprir algum tipo de convenção ou simplesmente pra que cada um fosse educado com o outro. Era preciso fazer um lanche e ir simultaneamente conhecendo jeitos, manias e gestos. Depois olharam para o lado e uma livraria foi atraindo os dois e convidando para entrar e vasculhar livros de humor, auto-ajuda, textos estrangeiros e aquelas bobagens que não acrescentam nada, mas deixam a vida mais leve. Com o fim do dia, veio a despedida acompanhada de um abraço tão espontâneo capaz de deixar o menino e a menina assustados. Foi o primeiro instante de silêncio ali. Uma boa forma de encerrar aquele dia. 

sábado, 2 de abril de 2011

Dentro de uma caixa feia


De repente. Quando a menina já tinha desistido, algo que foi desejado por tanto tempo aconteceu. Chegou em uma caixa de papelão. Era uma caixa feia na verdade, dessas de algum eletro doméstico ou das de supermercado só que toda furadinha. Sem um embrulhozinho ou laço vermelho. Ah e como aquela menina sempre gostou de um embrulho de presente. Ficava olhando pra deixar na memória a lembrança de algo novo que estava por vir, mas ainda permanecia escondido pelo papel cheio de cores. Ela achava bonito desembrulhar com cuidado para não estragar nem presente nem embalagem e, ao mesmo tempo, sentir o perfume da novidade. Sempre o mesmo ritual. Só que o cheiro da caixa em questão não tinha nada de agradável. Pelo menos não do ponto de vista da maioria. Era uma mistura de cocô e xixi feitos em instantes de medo e ansiedade além de um pêlo branco muito sujo. 
É que lá na caixa estava uma pequena cachorrinha de 3 meses saindo de um espaço tão apertado para ver a nova casa pela primeira vez. Um mundo que seria daquele bichinho por muitos anos e que ele iria ajudar a transformar destruindo móveis seminovos, desenhando no chão com patas sujas de terra e distribuindo afeto com jeito desajeitado e olhar inocente. Aquele maravilhoso presente era entregue para a menina de um modo diferente do normal. Ela que estava acostumada a receber as coisas boas da vida sempre mais ou menos da mesma maneira sentia algo estranhamente bom. As surpresas poderiam ser mais surpreendentes do que antes. O cheiro da pequena cadelinha parecia melhor que o de muito perfume caro. E dessa vez a embalagem foi rapidamente jogada de lado rumo ao lixo. O presente roubava todas as atenções.