domingo, 11 de março de 2012

Roupa preta



Nas mãos, luvas de renda preta que deixavam parte dos dedos a mostra. O suficiente para permitir que fossem vistas unhas cumpridas e cuidadosamente pintadas com um brilhante esmalte preto. Naquele sábado em que o sol mantinha, às 17h, o mesmo vigor do meio dia, a garota aparentava como que imune ao tempo.  A blusa negra, de tecido grosso, envolvia os braços por completo. E na menina tudo parecia querer ficar escondido. Nos olhos, delineador, rímel e sombra trabalharam juntos para que a escuridão tomasse conta das pálpebras, cílios e contornos. Talvez uma tentativa de fazer com que a maquiagem chamasse atenção suficiente para tirar o foco de um olhar sem cor. Outras peças de roupa, igualmente escuras, como saia e meia calça tratavam de ocultar as pernas. E na tentativa de se refugiar das pessoas, das cores, da vida ela se tornou uma figura impossível de passar despercebida. Ironicamente escolheu o jeito errado de tentar se ofuscar. Ou será que o desejo dela era, na verdade, atrair a atenção?

Independente da intenção, o fato é que entre a falta de cores os únicos sinais de contraste eram a caveira pintada nas costas e o rosto pálido da menina que denunciava a ausência de interação entre pele e sol. Quem está perto dela tenta entender o porquê do repúdio às cores, já que longe dos excessos e ligadas umas às outras numa combinação planejada pelo destino, só deixam tudo mais leve. Pode ser que a garota ainda não esteja preparada para isso, se viveu por muito tempo na escuridão. Afinal, nessa vida tudo que é novo é estranho e demora pra fazer sentido. Em algum momento ela vai acabar esbarrando num verde, tropeçando no amarelo, sendo envolvida pelo azul ou acariciada com um pouco de lilás. Nesse mundo doido, apesar de tudo ainda existe luz. O suficiente para as cores se revelarem. Depois desse encontro, a menina no fundo sabe o que virá.  

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