Quando era criança torcia para não ser a última a dormir. Só
a possibilidade de ficar no escuro acordada e sem ninguém para conversar
deixava a menina assustada. Sem falar naquele silêncio esquisito que era
invadido pelo barulhento ponteiro do relógio. Aquele pedaço fino de metal que
se mantinha discreto durante o dia e escandaloso na madrugada. A imaginação
resolvia ficar descontrolada com as luzes apagadas, daí era inevitável
confundir um grande amontoado de roupas com um gorila. E é fácil entender o tipo
de estrago que isso fazia em uma criança que morria de medo do King Kong. A
coitada se encolhia debaixo do cobertor com a cabeça coberta. Acreditava que
assim ficaria invisível para o macaco gigante e rezava para não precisar ir ao
banheiro ou buscar um pouco de água.
Passados alguns anos, a menina inevitavelmente virou a
última pessoa da casa a pegar no sono. Também é a última a chegar em casa e a
jantar. E isso nem faz tanta diferença. O grande gorila das telas de cinema já
não visita mais os pensamentos e, embora o quarto ainda abrigue uma pilha de
roupas, é impossível não enxergá-la apenas como uma pilha de roupas. A
imaginação já não fantasia a existência de um inimigo mirabolante, está bem
ocupada revirando problemas, obrigações, medos e inseguranças da vida real. E
no mesmo ritmo o estômago vai se agitando numa demonstração que infelizmente
não é de fome. Se fosse assim seria simples já que a garota não se sente mais apavorada
ao caminhar até a cozinha na madrugada. Para ela, durante a noite tudo parece
mudado, menos o barulho do relógio no silêncio. Até sente saudades do tempo em
que o King Kong era a única preocupação.
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