sexta-feira, 13 de maio de 2011

O primeiro vôo da menina


Era a primeira vez que a menina ia parar ali. E como em toda primeira vez, ela não sabia exatamente como se comportar. Lembrou do primeiro dia na escola, do primeiro beijo e da primeira depilação. Lembrar das primeiras vezes que já teve na vida não ajudava a formar um manual de como se comportar ali. Só lembrava que, mais uma vez, ela não sabia exatamente o que fazer. Olhava a mulher que passava de travesseiro e mala na mão e para o senhor que tirava fotos dos aviões que estavam na pista. Ela não tinha medo de andar de avião. Só achava estranho ficar a mais de 8.000 metros do chão em um ambiente fechado com 150 desconhecidos. Ficou segurando para não rir da demonstração que as aeromoças fazem do uso do cinto, da indicação das máscaras e das saídas de emergência. E rezando para não precisar se lembrar de nada daquilo, já que não tinha prestado muita atenção. Bem antes, logo na chegada ao aeroporto, experimentou o friozinho na barriga ao deixar a bagagem no balcão da companhia aérea sem saber de que maneira sua mala chegaria do outro lado. E se chegaria ao outro lado mesmo. Foi avisada de que era tudo muito tranqüilo, mas o túnel que leva à aeronave dava a sensação de que não havia uma luz em seu final.

Já sentada, deu de cara com a vista da janela e ficou encantada vendo a asa direita e a turbina. Queria acompanhar tudo. Depois de levantar vôo, os momentos de turbulência faziam a menina se sentir dentro de um ônibus passando por uma estrada esburacada. O quase imperceptível movimento da asa lembrava a suavidade do deslocamento de um pássaro com um toque do estilo mecânico provocado pela lataria. Nas duas horas de viagem, tentou se distrair com um livro, observando o sonolento passageiro que roncava e se assustava com o próprio ronco, com o bate papo de duas senhoras fofoqueiras e com o lanchinho servido durante o serviço de bordo. Mas a distração maior foi a tentativa de pouso que deu errado e obrigou o piloto a decolar novamente e aguardar um instante para novas tentativas. Por culpa de uma falha no trem de pouso, quem dormia logo despertou, aqueles que não se lembravam mais de Deus recuperaram a memória e os curiosos perguntavam, ao desconhecido mais próximo, o que poderia ter acontecido. Com tudo resolvido, a viagem chegou ao fim. A menina não teve medo de morrer, o que parece estranho para uma pessoa com medo até de não saber como se comportar. Vai ver é porque ela sabe que essas questões de morte são responsabilidade de outro alguém.    

2 comentários:

  1. As sensações de primeira vez às vezes nos deixa meio desnorteados realmente. É interessante que tenha pessoas que não sabem "como se comportar" mas mesmo assim não se preocupam com isto. Muito bom o texto Deza, como sempre envolvente.

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  2. Como sempre, fico muito feliz que você tenha gostado do texto. Eu acho que essa coisa de não saber como se comportar é meio complicado, mas não dá pra ficar pensando muito nisso, né?! Para o bem ou para o mal, não existe um manual que nos oriente em tudo na vida. O negócio é ir vivendo mesmo.

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