domingo, 8 de janeiro de 2012

Fechar com chave de ouro



Era o último dia útil do ano. A menina saiu de casa para trabalhar às 7h30, mas a chuva já tinha começado seus trabalhos fazia um tempão. Parecia que tudo que estava nas ruas sentia certa inveja das nuvens e acabava jogando água em quem passava. Os carros e motos fizeram qualquer guarda-chuva se sentir inútil por não dar conta do que vinha de baixo e até dos lados. Falando nisso, em alguns momentos era até possível ver chuviscos cruzando o ar na horizontal, provando que nesses tempos malucos falar em chuva vindo na vertical não é algo tão obvio. Quando a garota chegou ao ponto de ônibus, encontrou alguém completamente encharcado. Ele não estava molhado porque a sombrinha não deu conta do recado ou esqueceu a capa de chuva em casa. Aliás, nem casa ele tinha. O cachorro preto, de pêlo brilhante por causa das gotas mantinha a boca aberta: mistura de sorriso com dentes faltantes e a língua de fora que sugeria cansaço. O rabo que não parava de balançar e os pequenos pulinhos que dava ao olhar para quem esperava o coletivo pareciam indícios de uma alegria misturada com espera. Uma espera bem esperançosa. 

Talvez o senhor que estava com o jornal nas mãos ou a mulher de botas bonitas pudesse ter um cantinho seco em casa para um cãozinho preto ficar. Os olhares constrangidos indicavam gente que não gostava de bicho e, por isso, queria ver aquele animal bem longe. Outros se sentiam incomodados por não poder fazer nada para ajudar. A menina se sentia angustiada já que a impossibilidade de proteger o cachorro da chuva, da fome e de outros perigos da rua se misturava às outras angustias que ela carrega na vida. Em meio ao silêncio constrangedor, uma senhora retirou da bolsa o sanduiche que seria o lanche da tarde e entregou a aquele focinho abandonado. Um gesto pequeno, simples, mas agradecido com a grandiosidade de um olhar aliviado por satisfazer o estômago.  A garota também não resistiu e agradeceu à senhora, que ficou sem entender. A menina estava contente não apenas porque algo tinha sido feito por um ser tão frágil. A gratidão era também por ter encontrado uma pessoa de coração bom.        

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