domingo, 2 de outubro de 2011

Do outro lado da vitrine


Eles ficaram se encarando. Ela na rua e ele do lado de dentro da vitrine. Da primeira vez, logo que a menina viu aquele potinho de doce na padaria da esquina, andou bem devagar para ficar olhando por mais tempo. Era branco com pedacinhos coloridos, daí não teve como não lembrar rapidamente da sobremesa que ela sempre fazia para a família no natal. Parecia o mesmo doce que ela tratava como uma espécie de tradição só dela: fazer as gelatinas de cores bem diferentes, cortar em cubinhos e misturar ao leite condensado com creme de leite. Foi seguindo seu caminho e o potinho ficou ali onde estava. No dia seguinte, ela fez o mesmo trajeto e lá estava ele de novo, no mesmo lugar. A garota parou por alguns segundos e pensou na possibilidade de experimentar. Instantaneamente surgiu uma série de desculpas para ir embora como o compromisso, a pressa, o tamanho da fila, a falta de dinheiro ou a preguiça. Até certos argumentos bestas como o calor, medo de o doce estar estragado e o cansaço se aproximaram caso as outras desculpas não conseguissem ser convincentes. 

Fato é que por vários dias ela esteve ali naquela porta e sequer conseguiu entrar. Algumas forças a puxavam para o outro lado da rua e outras a empurravam para longe da padaria. Os dias se passaram e ao olhar novamente para a vitrine sentiu uma leve irritação. Um monte de saladas de fruta havia roubado o espaço, quase que sagrado, daquele doce. A garota encarou como coisa do destino e tratou de pensar que aquele era um sinal para que a aproximação não acontecesse, afinal, justamente no dia em que iria realmente comprar, não poderia. E na manhã seguinte, lá estava ele no lugar reservado. As velhas desculpas apareceram, mas a menina só se deu conta quando se sentou e estava com o potinho nas mãos. O preço foi caro em relação à quantidade, mas não houve arrependimento. Também não foi o melhor doce que ela comeu na vida. Só representava algo que a garota tanto queria e conseguiu. E isso já era bom.      

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